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quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

DESCONSULTA


Eu sofro de amores, doutor. De amores inconfessos, proibidos, mal vividos. Eu os minto, doutor. Eu renego o amor e estufo o peito pra dizer que ele não me faz falta, que sua ausência não causa em mim o mais ínfimo efeito. Eu sofro da falta desse tipo de amor que faz o peito se desmantelar e cometer sandices, doutor. Aquele que descompassa o coração e embaralha todos os sentidos. Eu careço de amor. Eu padeço de amar. Eu sou movida à amor desde o mais suave suspiro até o desembesto trêmulo das minhas carnes. Eu morro de amor sem amar, doutor.
 A cura, há?

sábado, 11 de janeiro de 2014

O Amor não deveria ser exigente

                                  



Perto de mim sempre chega alguém para falar de amor.

Questionamentos florescem. Por que ou em que momento o encantamento inicial termina, ficando o companheirismo, a parceira na educação dos filhos, o hábito ou, até mesmo, nada.

Como  todo mundo, me encantei e desencantei muitas vezes e antes achava que meu encantamento estava mais relacionado às pessoas por quem me apaixonava do que a mim mesma – aquela história dos príncipes, sabe?

Com os anos aprendi a abençoar meu passado, tudo que me trouxe até aqui e agora.

Abençoar as agruras.

Abençoar as alegrias, pois estou em pé  diante de inúmeras possibilidades de renascimento.

O amor é milagreiro. Eu acredito.



Soneto Antigo

Responder a perguntas não respondo.
Perguntas impossíveis não pergunto.
Só do que sei de mim aos outros conto:
de mim, atravessada pelo mundo.

Toda a minha experiência, o meu estudo,
sou eu mesma que, em solidão paciente,
recolho do que em mim observo e escuto
muda lição, que ninguém mais entende.

O que sou vale mais do que o meu canto.
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisíveis por onde ando.

Tudo é secreto e de remoto exemplo.
Todos ouvimos, longe, o apelo do Anjo.
E todos somos pura flor de vento.

Cecília Meireles

sábado, 4 de janeiro de 2014

Todo encanto é possível em dias assim...




Hoje eu poderia rir de alegria por me fazer tão bem. Poderia fazer aquelas coisas que não exigem nada,
que se completam em si mesmas, atos tão simples como:
enfiar as contas de um colar,
andar de pantufas do Taz,
apreciar objetos,
olhar a chuva,
acender incensos,
ficar horas no chuveiro,
sentir a náusea de um perfume antigo,
guardar a caixinha de sândalo,
ler, escrever palavras que pedem passagem,
 beber o chá,
contar as folhas no fundo da xícara,
desprezar sortilégios,
rir da própria ingenuidade,
ignorar o poder,
ser livre para cantar bem alto,
dançar ,
vestir uma fantasia,
transgredir as horas,
esquecer-me de todos os poemas escritos
e de todos os que ainda vou escrever.

Mas.... e se eu tivesse simplesmente desejado ouvir sua voz?




Canção do Amor

Tu és a corça e eu o cervo,
pássaro tu e eu a árvore,
o sol tu e eu a neve,
 tu és o dia e eu o sonho.
De minha boca adormecida
à noite um pássaro de ouro voa a ti:
tem a voz clara, multicolores asas,
e vai cantar-te a canção do amor
 - e vai cantar-te a canção de mim.

Hermann  Hesse

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Articular em palavras desarticula a voragem





É algo muito bom perceber que o único e verdadeiro esforço que tenho de aprender a fazer é o de que tudo seja feito sem esforço algum, na maior das despreocupações, na absoluta leveza de saber que levito no infinito e que isso não é ameaçador, pelo contrário, é  um conforto sem fim.

Aprendi que a nossa força  sujeita-se à força do céu.

Não adianta puxar a corda, ela sempre irá pender para o lado mais forte.

Ou seja, se o que te inspira  fazer tiver a força do Universo, maravilha, tudo vai correr bem, tudo vai fluir, tudo vai escorregar pela correnteza. Parece até que anda sozinho. Mas se o teu querer  só tiver a tua força...

Sem leviandade penso que  para onde for o vento, assim devo ir.

Porém se notar que as coisas não andam sozinhas, paro por aí.

Não quero forçar o futuro. Ele já lá está, à minha espera, e não vai mudar de caminho só para me agradar....



Abraços Invisíveis

Sentir-me
semente
germinando ainda
em terra quente
e úmida
Raízes-cabelos
adentrando
pelos espaços vazios
na eclosão
de vida
de célula tumefata
Procurar no alto
a luz
a liberdade
os movimentos
quase coordenados
em abraços
invisíveis
E nascer
plena de otimismo
e alegria

Marina Rolim